domingo, 31 de outubro de 2010

=D

Não, o país não deixará de ser machista em 1º de janeiro, tal qual os EUA não deixaram de ser racistas. Mas é um passo importante, pra quebrar paradigmas. Para as novas gerações crescerem acostumadas às novas possibilidades. Disse no twitter, disse em comentários por aí e repito: eu nasci num país governado pelo general Figueiredo, que gostava mais de cavalo do que gente. E hoje vejo uma mulher divorciada ser eleita, apesar de uma campanha machista retrógrada apoiada pela imprensa. É um outro país, não há como negar. Por ele, pelas possibilidades que ele traz, eu comemoro.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O (não) peso das palavras

Acho que eu nunca escrevi sobre este tema, embora seja muito de meu interesse. As sutilezas dos significados que um significante pode ter (pra quem não é familiarizado: significante é a palavra sapato, significado é o objeto sapato). Uma palavra pode ter diversos pesos, impactos, provocar reações as mais diversas dependendo de quem a diz ou de como a diz. Por exemplo: referir-se a alguém carinhosamente como “meu preto” não tem nada a ver com usar a cor da pele como forma de insulto. Só quem é muito desonesto intelectualmente não aceita isso, que o contexto, se não diz tudo, diz muita coisa ao menos.
Aconteceu uma coisa engraçada esse final de semana. Eu não sabia que uma (nova) amiga era lésbica. Daí perguntei pra galera: “só eu não sabia que fulana é sapata”? Todo mundo riu. E depois eu comentei com a própria: “fulana, só eu não sabia que você era sapata!”. E ela respondeu, dando risada: “ok, me apresento de novo, prazer, sou a fulana, e sou sapatão”. E todo mundo riu mais ainda.
Meu primeiro contato próximo com a homossexualidade foi quando uma amiga da escola, que até então se relacionava com meninos, voltou das férias namorando uma garota. Tínhamos 16, 17 anos. Aquilo me intrigou um pouco, como tudo o que é novo. Depois me acostumei, mas lembro que achava a palavra “sapatão” super pejorativa. Semana passada eu ouvi, em contextos diferentes, duas mulheres se apresentando como “sapatão”, de uma maneira extremamente bem humorada. Uma delas, na verdade, disse que era “sapatã” - achei bem fofo. Então, venci o meu preconceito com o termo, chamei a amiga de sapata, e ela entendeu que, por sapata, eu tava dizendo “uma mulher que gosta de outras mulheres”, nada além.
Eu sempre achei extremamente subversivo isso de se apropriar de uma palavra teoricamente ofensiva, assumi-la, e devolver para um interlocutor como um enfrentamento, porque você desarma o preconceituoso. Sempre lembro da tal mesa redonda com profissionais do sexo no Fórum Social Mundial, que eu já mencionei aqui. Mulherada dizia: “olha, eu sou puta, gosto de ser puta, gosto muito de fazer sexo e ainda ganhar dinheiro pra isso.” Esqueçamos a discussão feminista sobre a prostituição neste momento. Quando alguém chama uma mulher de puta e ela responde, de cabeça erguida, “sou puta mesmo, e daí?”, ela desmontou o ataque. E eu acho isso lindo.
Tem um neologismo que eu uso de uma maneira bem humorada, mas que o machismo considera ofensa gravíssima: periguete. Mas eu só uso porque, na minha cabeça, registrei “periguete” como a mulher gostosa que sabe que é gostosa e adora ser gostosa. Eu não coloco nenhum julgamento moral aí. Só que, né? Preciso tomar cuidado pra usar, porque eu não vivo em Marte. Se eu me refiro a uma mulher como “periguete”, meu interlocutor pode achar que eu tô condenando, e eu não sou assim. Tem um caso engraçado de uma amiga linda e muito bem-sucedida, cargo alto em multinacional e tudo, que usa este termo pejorativamente, fala “eu não sou uma periguete qualquer”. Mas ela tá sempre usando roupas que chamam muito a atenção para seu (lindo) corpo. Sempre “vestida para matar”, decotão, roupa justa, maquiagem pesada, microssaia - em 10 anos de amizade, nunca a vi de jeans, camiseta e tênis. No dia em que eu a apresentei ao meu marido (então namorado), ela usava uma blusa meio transparente, sem sutiã, “farol aceso”. Bem periguete, segundo minha definição. Lógico que ele olhou os peitos dela. Até eu olhei, né? E nada demais, como ele é um cara bacana, olhou, achou gostosa, e não inferiu nada sobre ela só por isso. Acho que ela não é menos respeitada por ninguém por conta da maneira como se veste: é inteligente o suficiente pra se afastar gente desrespeitosa, e pra deixar claro que sim, ela é gostosona, sim, você pode olhar e não, ela não é mero objeto de apreciação, embora goste muito de ser admirada. Mas o engraçado é que faz este julgamento sobre outras mulheres. Sei lá qual o critério dela, mas acho graça.
Post sem pé nem cabeça. Só que pra dizer que, oi, você pode ser periguete, você pode ser sapata, você pode ser tudo, sua linda. O que não pode é alguém te desrespeitar por conta disso. Machismo é achar que existe um padrão aceitável de conduta para uma mulher, e que todo o resto é condenável.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Leituras Feministas - Deslocamentos do Feminino

Este o nome do livro originado da tese de doutorado da Maria Rita Kehl, que eu tinha prometido pra Rita comentar, já que ela leu Madame Bovary não tem muito tempo. Prometi isso em setembro ainda, quando o Corinthians era líder do campeonato e a gente nem sonhava que a eleição ia virar essa baixaria. Tipo, parece que foi o ano passado. Nesse “não tem muito tempo” a Rita já deve ter lidos mais meia-dúzia de livros (ok, exagerei), a autora já entrou e saiu dos TT's do twitter e, bom, nada do meu post. Veio o segundo turno, o desânimo, semana que vem vou me matar de trabalhar num evento, tenho que ler 4 livros e avançar um pouco na minha monografia e, se enrolar muito, nunca mais escrevo sobre isso. Mas divago. Você não veio até aqui pra ler mimimi, né? O post já vai ficar longo sem este parágrafo altamente dispensavel... Preparem-se para um leitura confusa (no mínimo).

Neste livro a autora analisa a suposta identidade feminina do ponto de vista freudiano. Freud acreditava que o sofrimento de suas “histéricas” se dava por seu não ajustamento ao seu papel - no que a autora concorda. E acreditava que só haveria possibilidade de cura para seu sofrimento psicológico se este papel fosse aceito de bom-grado – no que discordamos eu, a autora e provavelmente todo o movimento feminista.

No primeiro capítulo, Kehl (engraçado, né? Parece apelido de “raquel”) trata de uma questão fundamental para a psicanálise, para a obra de Flaubert e para o feminismo: a construção do discurso. As mulheres são objeto de um discurso do feminino que não foi elaborado por elas. Falando em português claro, ninguém perguntou pra mim ou pra você o que é ser mulher. Você pode argumentar que, Iara, mas ninguém perguntou aos homens também. A diferença é que o homem é o “sujeito zero”, digamos assim. O cidadão básico, que não precisa de definição. Nem precisa ir muito longe na história: acho que todo mundo sabe que os redatores das revistas femininas do começo do século XX eram todos homens. O discurso que as moças liam sobre como deveriam se portar não era elaborado por mulheres mais velhas e supostamente experientes, mas por eles. E assim tem sido desde sempre: nosso lugar é aquele que nos foi reservado pelos outros. Uma das minha melhores amigas, psicóloga de formação, uma vez disse que eu era muito radical, que nem tudo construído socialmente é ruim. E eu concordo: sou monogâmica e não acho isso ruim, só pra dar um exemplo banal. Ruim é quando querem te empurrar todo um modelo, composto por uma série de atributos, goela abaixo (ou cabeça adentro, como preferirem). Então, este é o primeiro ponto fundamental: não foi a mulher que inventou o que é ser mulher. A gente vive com isso, algumas melhor do que outras. E, bom, a matéria da psicanálise é a fala do paciente, né? O discurso faz parte do tratamento. Freud tinha um desafio imenso de tentar fazer falar aquelas que não tinham voz. E lógico, ao falar, revelaram coisas inéditas ao seu ouvinte.

Bom, mas vamos a Madame Bovary um pouco. Ela faz parte de uma geração pós Revolução Francesa, evento que trouxe uma grande mudança na expectativas dos homens burgueses, mas não de suas mulheres. Pra tentar ser curta grossa: até a Revolução, os filhos de sapateiro cresciam sabendo que seriam filhos sapateiros. Não havia mobilidade social. Logo, como esposa do sapateiro, a mulher era seu igual. Ok, não era e nem é até hoje, mas não vamos falar da dominação doméstica, foco no papel social de maneira mais ampla: ambos, marido e mulher, já tinham suas cartas marcadas, seu lugar estabelecido. A Revolução agitou as coisas e trouxe a expectativa e a possibilidade de novos empreendimentos. Lógico, a mobilidade social ainda hoje é muito restrita. Mas somos uma nação que elegeu um retirante torneiro mecânico presidente, então, né, a possibilidade existe, e já existia (em menor medida, claro) no século XIX. Mas, para as mulheres burguesas desta época, as cartas continuaram sendo marcadas. Com um agravante: antes, se a moça se casava com o médico do vilarejo, sabia que seria, para sempre, a esposa do médico do vilarejo, ok. Depois da Revolução, passou a ser a esposa do médico do vilarejo que até poderia ter se destacado, mas não o fez por mediocridade. Havia uma expectativa a ser frustrada. A mulher só chegava até onde a levasse seu marido, e nunca poderia ser mais inteligente que ele. Assim, fosse minimamente mais “arejada” e imaginativa, como Emma Bovary, estaria condenada, para sempre, à opacidade social de seu companheiro.

E, bom, o que faz Emma para preencher seu tempo? Lê romances. Que não só não a ajudam a sublimar sua energia subempregada, como também alimentam suas fantasias. Emma Bovary é Dom Quixote de saias: de tanto ler, passou a se fantasiar como protagonista de suas próprias histórias. O problema é que o protagonismo lhe era, justamente, negado. Não havia essa possibilidade para ela, em nenhuma circunstância. A Kehl, em seu livro, menciona algumas mulheres que se destacaram no século XIX justamente pela literatura. Jane Austen é a mais famosa que eu me lembro agora. Uma das poucas mulheres que podiam se sustentar com seu trabalho intelectual, e uma ironia que este trabalho seja, justamente, seu discurso. Curioso este duplo papel da literatura, alienando e resgatando da alienação por vezes. Nossa autora menciona ainda outros casos bem sucedidos de mulheres que, compreendendo bem o papel do casamento em suas vidas, conseguiram se unir a maridos que incentivavam seu desenvolvimento intelectual. Mas Emma Bovary não tem potencial para ser Jane Austen. E seu sofrimento é porque, justamente, não havia a menor possibilidade de contar com seu marido para essa transcendência almejada. Fosse uma mulher pobre, operária, talvez vivesse com alguma dignidade como criada numa família rica, sem necessariamente sujeitar-se a um marido. Mas Emma é pequeno-burguesa, inteligente, sem contudo chegar a ser brilhante. Fosse no século XXI, viraria assistente administrativa em multinacional, pra ganhar seu pão com dignidade e sem maiores intempéries enquanto sonhava em dominar o mundo (oi? o/). Sendo o século XIX, o que lhe restou foi procurar amantes e tentar, por meio deles, se realizar. No romance ficam claros seus diferentes papéis nas relações em que se envolveu. Se não é bem-sucedida, é mais por culpa da dificuldade da empreitada do que por sua capacidade de empreendê-la. Mas, segundo Kehl, se podemos determinar o poder de decidir seu próprio destino como medida de sucesso, talvez Emma Bovary tenha sido sim bem-sucedida de alguma forma.

Kehl afirma que não pode, como profissional, dar um diagnóstico de Emma Bovary assim, sem mais. Mas tudo nos leva a crer de que era uma histérica, segundo a definição freudiana, e sua condição a infligia grande sofrimento. Como eu disse acima, para Freud, o caminho para a cura seria a resignação sincera. Kehl acredita que não. Freud, como homem do seu tempo, não foi capaz de visualizar uma mudança na sociedade que permitisse às mulheres não sofrerem pela inveja do falo. E aí eu aprendi um coisa que não sabia (acho que até sabia, mas não lembrava, ou não tinha ficado tão claro): que o falo não é o pênis. Mulher não tem inveja do pênis, tem inveja do falo, tem inveja do poder de ação e de discurso que aqueles dotados de pênis têm na sociedade patriarcal. Porque, né? Eu acha viagem mesmo essa coisa do pênis, que só me faz falta mesmo em banheiro de rodoviária e boteco copo-sujo. Lógico que a castração só é simbólica. Serei eu a única lesada? Tenho a impressão de que a própria autora diz que o Freud confunde essas ideias às vezes - mas pode ser viagem da pessoa que escreve sobre um livro 2 meses depois de ter terminado a leitura e sem ter feito nenhuma anotação (é, nenhuma vocação acadêmica, fato). Sim, um falo, para algumas mulheres, poderia ser um filho, a realização através da nova geração. Neste contexto, faz sentido o desinteresse de Emma pela filha, já que uma mulher não poderia transcender por ela, seria só mais uma a ser esposa de alguém. A sedução também é poder, claro. Freud acreditava que suas pacientes poderiam ficar livres de sofrimento se entendessem que sua transcendência estava nesse binômio sedução-maternidade. Binômio que a gente sabe que é super atual, é o que nos vendem como “combo mulher nota 10”. E a autora não o nega nem o desqualifica. Mas, né? É muito pouco. São só dois caminhos, tem mulheres que não querem nada disso, tem mulheres que querem isso e muito mais. Tem mulher que quer ser até Presidente da República, olhem só a audácia.

Pronto, pari o post. Desculpem se ficou confuso. Recomendo a leitura do livro, porque é muito denso, mas didático e esclarecedor. A Editora é a Imago.

PS: Acabo de me dar conta de que este blog completou 1 ano no dia 5, bem no meio da depressão pós segudo turno. Nem lembrei...

Update, no dia seguinte: vocês também tem vergonha de seus textos publicados com sono? Corrigi uma porção de coisas já, mas ainda tá confuso. Desculpaê, pessoal...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mudando de assunto...

Eu tô devendo um post sobre o livro da Maria Rita Kehl que eu falei que ia fazer, até porque será sobre uma obra em que ela analisa Madame Bovary, a Rita leu faz pouco e, bom, o timing tá passando (droga!). Mas tô meio de saco cheio de assunto super sério (eleições? deu por enquanto). Daí me deu vontade de escrever sobre algo diferente. Algo sério mas não no gênero épico, no lírico.
Tenho essa amiga que está num relacionamento bem instável. Aliás, não só o relacionamento, a vida dela está muito instável e este relacionamento começado no meio da crise só reflete isso. E ela diz que gosta do cara, mas os dois não conseguem se entender. Na sua versão, não dá pra terminar porque o namoro “é a única coisa boa” na vida dela no momento. E não adianta eu argumentar que “olha, mas um relacionamento ruim não é uma coisa boa...”. Claro, cada um pensa de um jeito. Tem gente que não consegue ficar sozinha, e pode ser que seja o caso dela. Eu já estive sozinha por longos períodos e já estive em relacionamentos ruins e posso dizer que hoje eu não troco a primeira situação pela segunda. Mas sou espertinha o suficiente pra dizer que esta sou EU e isto é HOJE. Não posso garantir que sempre vou pensar assim. Mas que eu acho um desperdício uma pessoa tão jovem se apegar a algo que não a está fazendo feliz, isso eu acho.
O problema principal do casal em questão é o ciúme. Os dois sentem um ciúme absurdo um do outro. Não é caso de polícia, felizmente, mas é caso de tensão constante. E você diz: “mas Iara, sua tolinha, tem gente que acha que isso apimenta a relação”. Pode ser, mas eu acho que uma coisa é aquela briguinha boba, aquele charminho, que termina em fazer as pazes na cama. Outra é ficar o tempo todo se perguntando o que o outro está fazendo, sofrendo, fantasiando e levando a questão para guerra semana-sim-e-outra-também. Sabe gente que vai fuçar no celular alheio procurando algo pra se aborrecer? Nesse naipe.
Já falei pra ela que é bobagem. Que não funciona assim. O amor só é tão bacana porque o outro é livre. Tem que cativar, não prender. Mas ela disse que não consegue ser assim, que tem muito medo de “ser feita de trouxa”. E, né? Mandei a real pra ela. Garantia até a próxima Copa, só na televisão nova. Amor não dá garantia nenhuma. “Ser feita de trouxa”, que pode significar coisas muito diferentes pra pessoas diferentes, é um risco inerente ao sentimento. Enquanto eu escrevo isso, marido está na faculdade. Quer dizer, deve estar. Mas pode estar com outra, dizendo “sabe como é, minha mulher é frígida, nem rola nada entre a gente, etc”. Confio muito nele, nos seus sentimentos, e no seu amor e respeito por mim, mas já vivi o suficiente pra saber que as pessoas são humanas, com tudo de bom e de ruim que essa humanidade implica. Todas as pessoas que amamos têm potencial pra nos machucar.. TODAS. E olha só, também temos esse potencial e podemos machucar os outros, ainda que involuntariamente. As opção são: confiar, não pensar no assunto e extrair o máximo de felicidade da vida, ou se fechar, travar e viver angustiada por não ter o controle de tudo. Eu escolhi a primeira.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Elaborando um pouco a indignação desta manhã

De manhã eu estava com uma enxaqueca daquelas terríveis. Daí, abri o Uol, vi o link, achei que nunca mais fosse ficar em bem na vida. Mas a Neosaldina* ajuda gente a concatenar as ideias.

Enfim, eu tava satisfeita com a maneira com que a Dilma tava levando as coisas antes dos boatos. Não dá pra dizer que é super a favor, tem que jogar no colo da saúde pública. Acho que dizer assim fica claro. E acho que faltou orientação da campanha, de dizer que é o congresso que decide, que presidente sozinha não faz nada, que ela precisa repetir isso. Sim, no meu mundo ideal ela poderia ser mais enfática, claro, mas no meu mundo ideal aborto nunca teria sido criminalizado. Então achava que isso era o suficiente pra não desagradar ninguém. E daí entrava o pessoal religioso, Crivela, Benedita (e agora no segundo turno, o Chalita), que já que estão lá, tem que prestar pra alguma coisa. Pelo menos pra usar sua comunicação com este público pra dizer que ela não é o bicho-papão.

Mas aí vai o bosta do André Vargas falar aquela bobagem no twitter. Que abortista é o Serra por conta da pílula do dia seguinte. O que além de ser uma campanha de tão baixo nível quanto o que a gente critica, traz a pauta uma questão já conquistada. Tem como ser mais revoltante? Ah, tem. Lembra que eu disse ontem que tem gente do nosso lado com quem eu não confraternizaria para nada? Paulo Henrique Amorim, por exemplo. Olha só, o Serra, como Ministro da Saúde, assinou uma política pública pra fazer com que o SUS atenda as mulheres que tem direito a interromper a gestação legalmente, de acordo com a nossa legislação. Porque apesar de terem este direito desde 1940, não conseguiam exercê-lo pelo SUS. Quer dizer, bola dentro. O que um Ministro da Saúde sério deve fazer. Apesar de chamar quem aborta de “carniceiro”, o cara deu a cara a tapa pra garantir um direito adquirido. Algo a ser comemorado, pois. Daí o que PHA faz? Sugere transformar em spam pro outro lado. Tipo, “abortista é ele, não somos nós”. Se isso não é desonestidade das mais baixas e desrespeito com uma bandeira tão cara ao feminismo, eu não sei o que é.

Sabe o que me incomoda demais? É que Luiz Buassuma está ado-ran-do o rumo dessa prosa. Luiz Buassuma é um dos defensores daquela aberração do Estatuto no Nascituro. O cara foi expulso do PT por suas posições, e imagino que as feministas do partido devem ter feito pressões neste sentido. E sabe que partido o acolheu de braços abertos? Surprise, suprise: o PV da Marina. Daí sai uma notícia dizendo que o PT está disposto a pôr as feministas de lado. E, olhem só, o PT tá precisando de alguns votos que, no 1º turno, foram pra Marina. E a Dilma aparece no JN dizendo que é super pró-vida, sem ninguém ter nem perguntado. Você pode achar que eu estou exagerando, mas lembre-se que o Estatuto do Nascituro a redação do Estatuto foi aprovada pela Comissão de Seguridade e Família da Câmara, o que já o torna mais do que um devaneio. Eu quero crer que daqui a pouco alguém engaveta isso, até porque eu não acho mesmo que a sociedade deseja esse retrocesso. Além disso o Bassuma, o Miguel Martini e a Solange Almeida, que são os 3 cabeças da coisa, não se reelegeram - nem tudo na vida são más notícias. Mas alguém vem aqui por favor dizer que eu estou mucholoka de ter relacionado tudo isso, que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

* isto não é um publieditorial

Do desabafo

O desabafo se fez urgente, por conta disso aqui. O recado tá dado: ou a gente tem uma mulher lá, ou a gente discute aborto. Os dois juntos não pode. Impressionante com a pauta feminista é sempre a que vai ser sacrificada. SEMPRE. Notem que tirar a discriminalização do aborto de pauta não vai garantir a eleição, mas pode enterrar a discussão por muito tempo. Tempo que as mulheres que estão morrendo de hemorragia em clínicas clandestinas não têm.

Eu tava animada, juro. Eu tava me organizando pra escrever um post bacana convocando os eleitores da Marina a passarem para o nosso lado. Mas essa notícia acabou com o meu dia. Não estranhem se eu der uma sumida. Eu tenho um emprego, um marido, uma pós pra cursar, família, amigos, e eu preciso estar bem pra tudo isso idependentemente do resultado das urnas dia 31, porque a minha vida continua. E por isso, pra manter a minha sanidade, talvez eu tenha que me afastar um pouco da discussão. Porque eu entrei na internet, li isso e me deu uma imensa vontade de chorar, mas minha mesa tá cheia de trabalho, e é isso que eu tenho que fazer agora.

Update: Ah, sim. E o horrível. O imbecil do secretário de comunicação dizer que o demônio é o Serra, que implantou a pílula do dia seguinte. E parece que nem foi. Mas, se fosse, é pra dar um beijo na careca dele, porque é uma tremenda conquista.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

E depois do susto...

Olha só, eu pensei muito, li muito e passado o susto e o medo reginaduartísco de não rolar no final das contas, tô achando é bom que a eleição foi pro 2º turno. Porque a gente aprende um monte com isso. E a principal lição, pra quem não tinha se ligado, é que arrogância e presunção não são exclusividade da direita. Que como eu coloquei aqui esse “nós x eles”, essa trincheira, é péssima pra democracia. Porque a primeira coisa que muita gente fez foi o quê? Desqualificar o voto na Marina. Olha só, eu não estou dizendo que questionar ou tentar entender é desqualificar, pelo contrário. Acho que é este questionamento que é importante. O que não pode é, como eu vi muita gente fazendo, dizer que é um voto despolitizado, de mauricinho. Sabe aquele lance de dizer que petista é ignorante e tal? Mesmíssima coisa, com o sinal invertido. É interessante porque ao mesmo tempo que tem amigos bacanas mandando e-mails babacas, a gente se dá conta de que tem gente na esquerda que não dá vontade nem de apertar a mão, quanto mais confraternizar em algum sentido. Mas isso é maturidade, perceber que o mundo diverso, há gente bacana e babaca em todos os lados e olha só, a gente tem um país a construir e precisa da ajuda de todo mundo.
Mas o voto na Marina é o caso aqui. Sem nenhuma ofensa, é razoável dizer que ele é muito diverso. Tem gente que acreditou em spam que a Dilma disse que nem Jesus a derrotaria, tem gente anti-PT mas sem especial simpatia pelo PSDB, e tem gente que simplesmente não quer endossar o governo assim, de saída, porque ele tem uma série de defeitos. E, oi? Não reconhecer que há problemas é sério. Há muitos. Ainda acho que há mais acertos, por isso votei na Dilma no 1º turno. Mas eu mesma sou da turma de mais de 6 milhões de eleitores que não votou no Lula em 2006 no 1º turno. Votei na Heloísa. E eu sei que agora dá mais medo porque a Dilma não é o Lula e o Serra não é o Alckmin. Só que 2010 também não é 2006. E acho que todo mundo concorda que o 2º mandato foi muito melhor que o 1º, que os resultados foram mais visíveis mesmo.
Por outro lado, a urgência dessa autocrítica. Que tem que ser feita pra ontem, e se a gente ganhasse no 1º turno talvez não viesse. Em time que se ganha não se mexe, né? Pois é pra continuar ganhando o governo vai ter que ouvir mais os porquês de quem não está com ele. E isso é excelente pro Brasil. Olha só, aqui em São Paulo o governo estadual conta com o voto anti-PT e não faz autocrítica nunca. Fica aí, fazendo o mínimo do mínimo do mínimo no estado mais rico do país e já tá indo pra 20 anos no poder. Lei do menor esforço, saca? E você agora vai falar que o PT não é o PSDB. Mas não é por isso que eu quero o PT no poder por anos a fio achando que está abafando. Colocando um cara sem experiência e agressor de mulheres e achando que vai levar o Senado com isso, que não vai se queimar. Que vai apoiar Roseana Sarney e vai ficar tudo belezinha (fosse eu maranhense, acho que votava na Marina também). Menos, né, gente?

Enfim. Muito a ser discutido, muito a batalhar. Mas comemoremos a democracia, comemoremos Marina, comemoremos a possibilidade de abrir nova discussões.

PS: Continuo com medo da baixaria, claro. Mas se o PSDB aprendeu alguma coisa nessa campanha foi que o eleitor não curte baixaria, não. Tanto que ele não ganhou nada com ela. E se apelar muito, só tende a se queimar mais. Mas, eu posso estar enganada. E o meu medo mora aí, claro.

domingo, 3 de outubro de 2010

Ansiedade

Tá difícil. Eu achei que rolaria hoje mesmo (marido ainda acha que dá, talvez), mas tá muito difícil. A primeira parcial, que dava Dilma 41 e Serra 37 quase me matou do coração. Tô tremendo até agora, sério. Em nenhuma pesquisa o careca aparecia tão bem votado. Faltam pouco menos de 20% enquanto eu escrevo isso. Eu quero muito voltar aqui e dar um update de que, ufa, deu, mas acho muito, muito difícil. E mil coisas. Muito medo do saco de baixarias que se seguirá, porque agora que os caras viram que podem ter chances (acho que nos últimos dias eles estavam bem desanimados), vão apelar geral, porque nem a dignidade eles tem a perder.
E a Marina, 20% até agora. Grande vitória pra ela, por estar disputando com a candidata do governo e o figurão da oposição. E a grande dúvida: o que será desses votos? Eu não consigo ver a Marina apoiando o Serra, mas o partido dela é outra coisa, né? E tem muito voto nela que é conservador.
Princípio de pânico de não haver continuidade do governo Lula. Mas acho que dá, né? Tem que dar, pelamor.

Não sei como vou dormir esta noite. Muita adrenalina. Mas se conseguisse, queria acordar só no dia 31.